Através da Lei nº 14.994/2024, o feminicídio passou a ter a maior pena entre todos os crimes previstos no Código Penal brasileiro. Sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de outubro, o texto aumenta a pena do crime para até 40 anos, sendo a mínima de 20 anos. Na cerimônia de assinatura, Lula e a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, destacaram que o governo está comprometido e em Mobilização Nacional pelo Feminicídio Zero.
Entre as principais mudanças está a tipificação do feminicídio como crime autônomo – dentro do artigo 121-A do Código Penal – e não mais como qualificação do homicídio, conforme previa a Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015). Por isso, a reclusão, que era de 12 a 30 anos, passa a ser de 20 a 40 anos e com possibilidade de progressão de regime somente após o cumprimento de 55% da sentença. O texto também insere o feminicídio na Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/1990), que trata do rol de crimes com regime mais severo no cumprimento da pena.
Considerada antecessora do feminicídio, a lesão corporal – nas mesmas causas do feminicídio, ou seja “por razões da condição do sexo feminino” – também teve a pena agravada de três a seis meses para até cinco anos. Outras medidas visam enrijecer a execução penal com a monitoração eletrônica, a proibição de visitas íntimas aos condenados e alteração da Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006): agora, descumprir decisão judicial de medidas protetivas tem reclusão aumentada para dois a cinco anos.
A proposta com as alterações no Código Penal começou a tramitar no Senado em agosto de 2023, a partir do projeto de lei 4.266/2023, de autoria da senadora Margareth Buzetti (PSD/MT). Aprovado em setembro de 2024 também na Câmara dos Deputados, seguiu para a sanção do presidente Lula.
Para a professora Terezinha Silva, do grupo de Pesquisa Transverso (PPGJOR/UFSC), que coordena projetos sobre cobertura jornalística de feminicídios, a responsabilização e punição dos crimes é um aspecto importante, mas por si só não é suficiente para a prevenção e enfrentamento das violências de gênero que levam ao feminicídio. Prova disso, diz, é que as estatísticas não têm mostrado redução dos crimes. Somente no ano de 2023, 1463 mulheres foram vítimas do feminicídio no Brasil – 55 delas em Santa Catarina, segundo o Anuário Nacional de Segurança Pública.
“A punição é uma medida reativa: as mulheres já foram assassinadas e no Brasil há em média um feminicídio a cada seis horas, algo absurdo”, considera. E completa: “é preciso também outras políticas e ações públicas que ajudem a evitar ou prevenir as violências e os feminicídios, como campanhas educativas permanentes, ações nas escolas e em outros espaços sociais que ajudem a transformar a cultura machista que resulta nestes crimes com motivação de gênero”.
A professora lembra que a própria ministra Cida Gonçalves enfatizou durante a sanção da nova lei a importância de outras medidas. Em agosto, o ministério iniciou a mobilização nacional pelo Feminicídio Zero, que é voltada a todos os setores da sociedade para somar esforços que ajudem a erradicar os assassinatos de mulheres. Busca trabalhar a prevenção a todas as formas de violência baseada em gênero, visando objetivos como promover a transformação cultural de atitudes, hábitos, comportamentos discriminatórios contra as mulheres em sua diversidade; desnaturalizar esta violência e promover a não-tolerância social a ela; e realizar ações, voltadas para homens e meninos, de educação, conscientização, prevenção, responsabilização e de mudança de práticas discriminatórias e violentas contra as mulheres. Para atingir estes objetivos, prevê ações como campanhas de conscientização contínuas em meios de comunicação; destinação de recursos financeiros, materiais e voluntários para organizações que oferecerem apoio a mulheres em situação de violência; e investimentos nos serviços de combate à violência contra as mulheres.
Segundo dados do Ministério das Mulheres, desde janeiro de 2023 até agosto de 2024, o órgão investiu mais de R$ 389 milhões em políticas para enfrentar a violência de gênero. Os recursos foram destinados a ações relacionadas às Casas da Mulher Brasileira; Centros de Referência da Mulher Brasileira; equipamentos e veículos desses dois espaços; reestruturação do Ligue 180; outras ações de prevenção, acesso à justiça e enfrentamento da violência, como tornozeleiras eletrônicas, além qualificação e formação em atendimento a mulheres nos estados e municípios.