Media Ethics: estudo discute a machosfera no Brasil e os desafios para o jornalismo

As pesquisadoras do Transverso, Terezinha  Silva,  Daiane Bertasso (PPGJOR UFSC) e Fernanda Nascimento (PUC RS) apresentaram trabalho durante no  VIII Media Ethics Conference, no qual discutiram a atuação da machosfera no Brasil a partir da análise do caso da  cobertura da imprensa brasileira à invasão e ataque misógino à conta da primeira-dama brasileira Janja da Silva na rede social X, em dezembro de 2023. O VIII Media Ethics acontece entre os dias 9 e 12 de julho de 2024, em formato híbrido  (online e presencial, na Universidade de Coimbra, Portugal).

No estudo, intitulado “A machosfera no Brasil: desafios práticos e éticos para a cobertura jornalística da misoginia e ódio nas redes sociais”, as professoras buscaram entender como a imprensa brasileira contextualiza a violência de gênero na internet, a misoginia nas redes sociais e o fenômeno da machosfera, assim como as implicações éticas para uma cobertura jornalística acerca dessas formas de violência. Analisaram os enquadramentos do acontecimento; a discussão que suscitou sobre a regulação de redes sociais, os ataques a mulheres com relativa visibilidade no espaço público, e desafios éticos para a cobertura desses casos.

Na pesquisa, elas identificaram que o ataque misógino à Janja teve ampla visibilidade midiática, já que ela é uma personalidade com notoriedade no cenário político atual. Destacaram que esta visibilidade foi importante para colocar o tema na agenda do debate público, mas a imprensa pouco aprofundou a violência de gênero digital, a proliferação desse problema e da atuação de grupos masculinistas nas internet. 

“Mesmo com o histórico de ataques sexistas sofridos por Janja nesses últimos anos na internet e redes sociais, as notícias não estabelecem correlação deste ataque hacker com episódios anteriores. O caso só não é divulgado como um fato isolado porque a própria  Janja e aliados relembram em seus pronunciamentos o histórico de ataques”, enfatizou a professora Fernanda, durante a apresentação.

Entre os dilemas éticos evidenciados para coberturas deste tipo de violência de gênero, as pesquisadoras destacaram a decisão de reproduzir ou não nas noticias os xingamentos e agressões feitas. No caso de Janja, alguns meios jornalísticos publicaram os conteúdos violentos enquanto outros escolheram não publicar.

O estudo apresentado é parte do projeto de pesquisa internacional “La ‘Manosfera’ en las redes sociales: produsage cultural para revertir los estigmas de género y la cultura del odio”, que reúne pesquisadoras(es) da Espanha, Portugal, Estados Unidos e Brasil, e é coordenado pelas professoras Asuncion Bernárdez Rodal e Graciela Padilla Castillo, da Universidad Complutense de Madrid.  Daiane, Fernanda e Terezinha formam a equipe brasileira do projeto.

A machosfera – ou manosfera, como é chamada  no contexto anglosaxão e europeu – se refere à atuação de grupos masculinistas que propagam ódio e violência contra as mulheres ou pessoas da comunidade LGBTQIAP+ na internet e redes sociais. Entre os principais grupos estão os ativistas dos direitos dos homens, os artistas da sedução, os homens seguindo seu próprio caminho, e os celibatários involuntários (Incels). São comunidades diversas com interesses sobretudo masculinistas, que tem em comum um discurso misógino e antifeminista, mas que convergem em outras formas de violência, como o racismo e a xenofobia. Para as pesquisadoras Assunción Bernardez e Yanna Franco, da Universidad Complutense de Madrid, esses grupos “não são a consequência e sim a causa do crescimento do ideario ultraconservador, expandindo o racismo, o nacionalismo, o capacitismo e o  antifeminismo”.