Sete de cada dez registros em 2024 são deste tipo de violência
Por Thais Araujo*
A violência política de gênero e contra as mulheres liderou o ranking de denúncias de violência política recebidas pelo Disque 100 – o Disque Direitos Humanos, em 2024. Foram quase sete em cada dez registros, somando 387. Ao todo, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, responsável pelo serviço, recebeu mais de 580 denúncias de violência política este ano, número que representa um aumento de quase 200% em relação ao mesmo período do ano passado. Em seguida, na lista das violações políticas mais registradas, aparecem participação e democracia (149), votar e ser votado (37) e violência política étnico-racial (52).
O elevado número de denúncias de violência política de gênero mostra o quanto ainda é desafiador e arriscado para mulheres ocupar espaços de poder no âmbito da política institucional. O caso mais recente nesse sentido foi o ataque a tiros sofrido pela vereadora do Rio de Janeiro e candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Tainá de Paula, na noite de quinta-feira, 3 de outubro, às vésperas da eleição deste domingo, 6 de outubro. Tainá é uma mulher negra na política, assim como era a vereadora Marielle Franco (Psol), executada em 2018, também no Rio de Janeiro, junto com o motorista Anderson Gomes.
Além de representarem crimes de ódio historicamente direcionado às mulheres, esses ataques, no contexto atual, se dão porque as mulheres e os feminismos estão se tornando uma “grande trincheira em defesa da democracia”, conforme ressaltam a professora Joana Maria Pedro e o pesquisador Jair Zandoná, ambos do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC). São as mulheres e seus movimentos que têm resistido às inúmeras ameaças à democracia observadas na segunda metade do século XXI em diferentes países e, especialmente, no Brasil.
Joana Maria Pedro e a pesquisadora Luana Borges Lemes destacam que as mulheres protagonizaram diferentes atuações nas lutas por democracia. Foi o que ocorreu, por exemplo, durante o período da ditadura militar que assolou o Brasil a partir da segunda metade dos anos 1960; na redemocratização e, mais recentemente, na “Primavera das Mulheres”, em 2015, quando movimentos sociais, sobretudo feministas, ocuparam as ruas e mídias sociais digitais para denunciar o machismo que perpassa as diversas dinâmicas da vida social e combater as desigualdades e opressões de gênero. Apesar de toda essa mobilização, os números e a realidade que enfrentamos diariamente mostram o quanto é urgente garantir dignidade às mulheres e até mesmo o direito fundamental à vida na política formal e no cotidiano.
Nesse cenário, o Jornalismo e a cobertura da imprensa, certamente, têm papel de grande relevância. Pesquisas como a desenvolvida pela professora Jessica Gustafson, pesquisadora do Transverso/UFSC, apontam o quanto as mídias tradicionais, ao reproduzirem o senso comum, reforçam valores hegemônicos, sustentados em hierarquias e desigualdades sociais, principalmente as que se referem a gênero. Assim, acabam reforçando violências contra mulheres – uma categoria que é múltipla, diversa, atravessada por outros marcadores como raça, deficiência, classe etc. A reprodução dessas violências no âmbito do Jornalismo ocorre ainda que as mulheres sejam maioria entre profissionais da área: 57,8%, conforme dados da pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021.
Por isso, reforçamos a importância de sensibilizar profissionais e estudantes para refletir criticamente sobre a prática profissional, problematizando e qualificando coberturas jornalísticas de modo a dar visibilidade e discutir questões de gênero de forma respeitosa e responsável, influenciando o senso comum a não mais admitir, naturalizar ou justificar essas violências, que arrancam a dignidade e a vida de muitas mulheres, todos os dias.
Disque 100
Casos de violência política (ou qualquer outra) podem ser denunciados ao Disque 100 de forma gratuita e anônima, com garantia do sigilo das denúncias, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100. Também é possível registrar a denúncia por meio do WhatsApp (61) 99611-0100; do Telegram (digitar “direitoshumanosbrasil” na busca do aplicativo); da página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O serviço permite ainda fazer video chamada em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
*Jornalista, mestra e doutoranda em Jornalismo (UFSC), pesquisadora nos grupos Transverso – Jornalismo, Interesse Público e Crítica; e DhJor (Jornalismo e Direitos Humanos). Autora do livro “Por exclusão ou tutela: os silenciamentos das pessoas com deficiência no Jornalismo” (em breve pelo Selo Comunicação e Sociedade – PPGCom/UFJF).