Violência doméstica: estudo analisa cobertura do caso Ana Hickmann

Capa da edição da revista Esferas com artigo sobre caso Ana Hickmann

Como a denúncia de violência doméstica feita pela apresentadora Ana Hickmann contra o ex-marido, em 2023, desencadeou uma discussão social sobre este problema, tensionando modelos de relacionamento, normas e valores sociais que sustentam tais práticas, e os mecanismos institucionais envolvidos no seu enfrentamento? Esta foi a questão que motivou as professoras Terezinha Silva (PPGJOR/UFSC) e Rayza Sarmento (PPGCP/UFPA) a analisar aquele caso através de estudo publicado no final de 2024 na revista Esferas.

As professoras analisaram um conjunto diverso de notícias sobre a violência contra Ana Hickmann, a partir de três dimensões: a inscrição do acontecimento em sua relação com a Lei Maria da Penha, a denúncia da apresentadora como uma ação ativista e a inserção de Ana Hickmann ao lado de outras mulheres famosas também vítimas de violência. Entre os resultados, elas identificaram que, na cobertura do caso, a legislação brasileira de combate à violência foi endossada; ocorreu um processo de coletivização do problema da violência a partir de outros acontecimentos envolvendo mulheres célebres, que é colocado em evidência; e a apresentadora foi aproximada de ações ativistas.

No estudo, as autoras concluíram que a visibilidade e o enquadramento midiático dados ao caso de Ana foi diferente das mulheres que constituem a maior parte das estatísticas de violência no país, geralmente de estratos socioeconômicos considerados baixos e médios e/ou ainda negras, trans etc. Segundo elas, são mulheres anônimas para amplos públicos, que sofrem e denunciam cotidianamente agressões, sem despertar o mesmo interesse e engajamento no tratamento e desdobramento do caso, como aconteceu com Ana Hickmann – mulher branca, jovem, famosa, rica, mãe, vítima de agressão física, psicológica e patrimonial por parte do marido.

Elas esclarecem, porém, que destacar esta diferença na visibilidade midiática não significa retirar a importância e gravidade do ocorrido na vida da apresentadora e no que desencadeou em termos de coletivização de um problema que atinge a muitas outras mulheres, famosas ou anônimas. Explicam que a análise da cobertura permite ver elementos importantes para o debate da violência de gênero a partir deste caso. Citam como exemplo a atuação e posicionamentos da apresentadora no transcurso do acontecimento e a conexão com as violências vivenciadas por outras famosas – o que evidencia  publicamente as violências sofridas por mulheres de classes privilegiadas e geralmente mantidas no âmbito privado. Isso, segundo as autoras, colabora para desconstruir a ideia de que se trata de um problema das mulheres pobres, ao mesmo tempo em que tensiona valores e concepções idealizadas sobre a vida das mulheres célebres. Além disso, destacam que Ana Hickmann usou a projeção que possui não apenas para expor o próprio problema vivido individualmente, mas também de uma coletividade, inscrevendo-o como um problema de gênero.

O artigo é uma das atividades do período de estágio de pós-doutorado realizado pela professora Terezinha no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA (março a agosto de 2024), supervisionado pela professora Rayza Sarmento. O trabalho compõe o dossiê da revista Esferas Acontecimentos que (nos) afetam”, co-organizado pelas professoras Terezinha Silva, Paula Simões, Denise Prado, Vera França e pelo professor Douglas Ferreira, que integram a Rede de Pesquisa Acontecimentos e Figuras Públicas.