
A professora Terezinha Silva, coordenadora do Transverso, participou da aula inaugural “Violência contra mulher em Santa Catarina” na quarta-feira, 07 maio. O evento ocorreu no auditório do Centro do Socioeconômico da Universidade Federal de Santa Catarina e fez parte do ciclo de debates em Direito e Gênero, organizado pelo Programa de Educação Tutorial (PET) de Direito da UFSC. Também participaram como palestrantes a Defensora Pública de Santa Catarina e Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), Anne Teive Auras, e a professora Andréia Isabel Giacomozzi, do Departamento de Psicologia, coordenadora do projeto “Espelhos”, que desenvolve grupos reflexivos para mulheres em situação de violência doméstica.
As três palestrantes destacaram a necessidade de avançar e ampliar na criação de políticas públicas de prevenção e combate da violência de gênero contras as mulheres. Primeira a falar, a defensora pública Anne Teive Auras, destacou que o avanço do neoconservadorismo dificulta ações de proteção e prevenção da violência, o que torna ainda mais imprescindível a defesa de políticas públicas e de estrutura do Estado para proteger as mulheres. “Não podemos contar só com a boa vontade das pessoas. Projetos isolados não são suficientes. Precisamos de políticas públicas capilarizadas e bem estruturadas e de Conselhos de Direitos Humanos”. Anne enfatizou a necessidade da criação de Delegacias da Mulher em Santa Catarina e de maior orçamento para combate à violência. “Precisamos de governos melhores que destinem recursos e precisamos que as leis sejam cumpridas na sua totalidade, não apenas em alguns trechos”, afirmou.
A professora Andreia Giacomozzi falou que o apoio psicológico é essencial para que o ciclo de violência contra as mulheres seja interrompido. Ela explicou que uma mulher volta para um relacionamento abusivo em média oito vezes, até que consiga de fato romper a relação. “Não é fácil sair de casa com filhos pequenos, com dependência econômica e emocional do agressor”, disse Andreia. O projeto Espelhos, que ela coordena, busca acolher e orientar as vítimas de violência. “Percebemos a necessidade de respeitar o processo emocional dessa mulher, que vai demorar um tempo para superar os abusos. A gente busca ouvir, acolher e dar informação, sem julgamento, sem pressa e com uma postura acolhedora. Mostramos que a violência é uma questão social e cultural. Isso alivia muito a culpa da mulher”.
Já a professora Terezinha abordou o modo como a imprensa tem tratado o feminicídio, chamando atenção ao fato de que um tratamento midiático adequado da violência contra as mulheres é importante para a coscientização da população e, portanto, como forma de prevenção primária. Relembrou que o feminicídio é resultado de um continuum de violências contra uma mulher e que se difere do homicídio por ter uma motivação de gênero. Ela explicou o contexto da criação da Lei do Feminicídio, promulgada em 2015, mas que é resultado de anos de lutas de movimentos de mulheres e feministas, pesquisadoras e pessoas atuantes em instituições públicas, que representou avanços importantes, por dar mais rigor na responsabilização dos agressores, ampliar a visibilidade do problema e permitir construir estatísticas para a criação de políticas públicas. Também apresentou dados da pesquisa realizada pelo grupo Transverso, entre 2021 e 2023, intitulada “Os feminicídios em Santa Catarina e a cobertura jornalística: mapeamento de um problema público”, que analisou 776 notícias e reportagens sobre o feminicídio publicadas em mídias catarinenses entre os anos 2015, ano da lei, e 2021.
“A partir da Lei do Feminicídio, de 2015, a imprensa também passou a dar mais visibilidade ao tema”, observou Terezinha. No entanto, essa cobertura ainda é marcada por uma perspectiva policialesca com predominância de fontes oficiais que tratam o feminicídio como algo episódico, isolado. “Mesmo depois das novas leis, depois de um conjunto de cobranças sociais para que esse tema seja enfrentado, a imprensa ainda tem dificuldade de tratá-lo de uma forma mais aprofundada e contextualizada, como parte de uma cultura machista e misógina”, analisou
A professora disse que esse tipo de cobertura está relacionado à precarização do trabalho de jornalistas em uma lógica de produção “que valoriza os cliques, sendo pouco questionadora.” Ponderou ainda que é possível encontrar exemplos de boas práticas de reportagem. Entre elas, mencionou principalmente que mídias alternativas com perspectiva de gênero têm produzido matérias que fogem dessa lógica e ajudam na compreensão e combate do problema.
Terezinha reforçou também a importância de uma formação permanente para profissionais que atuam com o tema da violência de gênero contra as mulheres, sejam jornalistas, operadores do direito, psicólogos, etc. No caso de jornalistas, ela explicou que além de fazer a análise crítica, o Transverso produziu recursos que podem ajudar a qualificar a cobertura jornalística, como a produção do documentário e do podcast “História mal contada: os feminicídios na cobertura jornalística”. Também foi produzida uma lista de fontes de informação que podem falar sobre a violência contra mulheres ou temas correlacionados, que foi disponibilizada a jornalistas catarinenses que cobrem o tema. Um guia de boas práticas para cobertura de feminicídios foi elaborado pela professora e está disponível desde agosto de 2024, quando ela o apresentou a profissionais da área durante encontro realizado em Belém, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Pará. O grupo planeja ministrar cursos sobre o tema para jornalistas também em Santa Catarina. A professora considera fundamental o engajamento da imprensa no enfrentamento da violência contra as mulheres, qualificando sua cobertura, e que as políticas públicas considerem o papel que a imprensa pode cumprir. “Toda a sociedade, todas as instituições devem estar envolvidas, porque o problema é de todos nós”.
As palestrantes disseram que, embora iniciativas como o projeto Espelhos e outros desenvolvidos pela universidade ou outras organizações sejam importantes, políticas públicas devem ser adotadas para combater a violência de maneira estrutural. Anne salientou: “Sem políticas de promoção dos direitos de justiça social e uma construção coletiva de resistência, esse cenário não vai ser modificado. Debater o assunto, assim como fizemos hoje, também é muito importante para que se crie uma consciência coletiva do problema”.
Sobre o PET
O PET de Direito desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, como forma de complementar a formação universitária a exemplo de visitas a penitenciárias, atuações em processos jurídicos e ciclos de estudos. O grupo é formado por 12 alunos bolsistas e um(a) professor(a)-tutor(a), encarregado de orientar os petianos ao longo dos semestres em suas pesquisas individuais.
O estudante de Direito e integrante do PET João Vitor Costa explicou que o grupo escolhe anualmente um tema para ser debatido. De acordo com ele, o projeto “tenta trazer uma parte mais social, que pode ser relacionada ao mundo jurídico. O nosso curso não tem muito esse lado crítico, então o PET tenta fomentar discussões”.
Para João Vitor, uma mesa transdisciplinar auxilia a “fomentar o debate e elevar a discussão”. Para o estudante, “o Direito é atravessado por várias ciências e ter contato com outros pontos de vista é fundamental para a formação universitária”.
Os encontros seguem até o final do ano. Informações sobre os próximos debates podem ser acessadas no Instagram @petdireito.ufsc.
Texto e foto: Camila Soares Borges – bolsista IC – Grupo Transverso PGGJOR UFSC