Denúncias de violação a direitos humanos de pessoas com deficiência aumentam 150%

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Duas décadas depois de o atendimento prioritário ser garantido a pessoas com deficiência no Brasil, pela Lei 10.048/2000, o jornalista e mestrando no Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFSC Luiz Henrique Zart ainda enfrenta olhares constrangedores e precisa se justificar para exercer um direito assegurado pela legislação. Zart tem mobilidade reduzida em razão de uma paralisia cerebral e, recentemente, foi questionado pela funcionária de um mercado onde fazia compras, na cidade de Lages, serra catarinense, por estar na fila preferencial.

“Ter que me explicar e convencer as pessoas que eu tenho uma deficiência e que é meu direito ser atendido no caixa preferencial é um exemplo simples, cotidiano, que ilustra o quanto as violações se dão não apenas por meio de barreiras físicas, mas ocorrem também pelo constrangimento simbólico, pela invalidação”, afirmou. Por contar com um suporte familiar que o protege de muitas violações, ele nunca chegou a fazer uma denúncia formal. 

“Essa rede de apoio atrasa as violações de me acontecerem, mas pode ser também pelo cansaço. É cansativo lutar contra a estrutura. Já basta ter que lutar pela sobrevivência; estar sempre alerta para avisar as instituições que elas precisam garantir um direito que é teu é cansativo e o cansaço, muitas vezes, impede a denúncia”, lamenta.

Mesmo se tratando de um processo exaustivo, as denúncias de violação contra os direitos humanos de pessoas com deficiência aumentaram 150% de janeiro a setembro deste ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, foram contabilizadas ao todo 51.777 denúncias por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos – o Disque 100 – e registradas 307.484 violações. Cada denúncia pode conter mais de um tipo de violação.

As mais relatadas foram exposição de risco à saúde, maus-tratos ou abandono; tortura psíquica e insubsistência afetiva; a desassistência em relação a direitos sociais, à saúde e alimentação. Também há casos de subtração de direitos civis, políticos e de liberdade individual, como retenção de documentos, acesso à informação e exercício de expressão e religião. Os estados com os números mais elevados são São Paulo (13.250 denúncias), Rio de Janeiro (6.726) e  Minas Gerais (6.031). Já Santa Catarina aparece em 9o lugar, tendo registrado 1.719 denúncias no período.

A bacharel em Direito Thais Becker, mestranda em Direitos Humanos na Universidade de São Paulo (USP), enfatiza que dar visibilidade a essas violações é fundamental para construir políticas públicas, sempre em diálogo com as próprias pessoas com deficiência, a partir de um diagnóstico preciso de como e onde elas ocorrem. “Como o número de pessoas que denunciam ainda é baixo, a gente tem a falsa impressão de que acontece pouco, quando na verdade acontece muito”, disse ela, que é uma mulher com deficiência. 

“Escancarar esses dados é fundamental ainda para, no campo jurídico, responsabilizar quem ofendeu, o que pode se dar por meio de um processo educativo, entendendo o Judiciário também como um espaço de formação na perspectiva da antidiscriminação; e garantir indenização para quem foi submetido à discriminação”, acrescentou. 

O professor do PPGJOR/UFSC Jorge Kanehide Ijuim, que coordena o grupo de estudos Jornalismo e Direitos Humanos (DHJor), explica que a essência dos Direitos Humanos está na busca incessante pelo direito à dignidade humana, que, além de condições básicas, como o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho com remuneração digna e à alimentação, também engloba o direito à igualdade e à diferença. 

“Devemos atentar como nos relacionamos com o Outro. Não basta reconhecer as diferenças, respeitar o diferente, temos que nos comunicar com o Outro, o diferente. É o que podemos chamar de alteridade. Sem esta, a busca pela dignidade humana se esvai, se perde em discursos vazios. É, portanto, uma questão de consciência que pode colaborar para a elevação da dignidade humana”, disse ele, ressaltando que a temática tem sido estudada – por um olhar interseccional e multicultural – pelo grupo que coordena.

Questões relacionadas à luta por direitos e cidadania dos diversos grupos sociais também têm sido um dos eixos centrais de pesquisas desenvolvidas por integrantes do Grupo Transverso – Jornalismo, Interesse Público e Crítica, conforme destaca a professora do PPGJOR/UFSC e coordenadora do grupo, Terezinha Silva. “Entendemos que o jornalismo tem papel central no debate público acerca de questões coletivas. Por isso consideramos que ele é fundamental para dar visibilidade a determinados problemas, como as violações de direitos das pessoas com deficiência, e aprofundar a discussão sobre suas causas, contribuindo para a prevenção e o combate dessas situações”.

Violações de direitos de qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade devem ser denunciadas ao Disque 100, que as analisa e as encaminha aos órgãos de proteção e responsabilização. O serviço pode ser acionado por meio de ligação gratuita – discando 100 em qualquer aparelho telefônico; pelo e-mail ouvidoria@mdh.gov.br ou pelo site da Ouvidoria e seus canais de WhatsApp e Telegram. O serviço também dispõe de atendimento na Língua Brasileira de Sinais https://atendelibras.mdh.gov.br/acesso(Libras).

Texto: Thais Araujo