Durante um show em Los Angeles, na última sexta-feira (08/03), a cantora Madonna agiu de forma capacitista, ao cobrar de um cadeirante na plateia que assistisse ao espetáculo de pé. Sem perceber que se tratava de um homem com deficiência, a rainha do pop apontou para ele e questionou:
“O que você está fazendo sentado aí?”. Ela caminha até a beira do palco, em direção ao fã, e, ao notar a cadeira de rodas, se desculpa: “Ah, ok. Politicamente incorreto. Desculpe. Estou feliz por você estar aqui. Oh, meu Deus”.
O episódio, reproduzido em vídeo nas redes sociais, foi noticiado por diversos veículos brasileiros, como os portais da Folha de S.Paulo e O Globo. Ambos se referiram à atitude como uma gafe. Nenhum mencionou tratar-se de capacitismo, que é a discriminação em razão da deficiência. Neste caso, discriminação por desconsiderar a diversidade corporal, ou seja, que há diferentes possibilidades legítimas de funcionamento dos corpos. A própria artista definiu a atitude como “politicamente incorreta”. Os dois portais tampouco foram além do fato e buscaram problematizar, por meio de outras fontes, qualquer questão ligada, por exemplo, ao direito das pessoas com deficiência de acessar equipamentos culturais e participar de shows musicais.
A doutora em Psicologia pela UFSC Karla Garcia Luiz, que também é cadeirante, destaca que, como historicamente o lugar das pessoas com deficiência é o esconderijo, a segregação, a sociedade, incluindo artistas como Madonna, não reconhece que o ambiente de um show também possa –e deva – ser ocupado por elas.
“Como eu aprendi com a professora Geisa Böck, a sociedade deveria presumir a presença e não a ausência de pessoas com deficiência nos diversos espaços sociais. Se isso ocorresse, situações como essa seriam menos frequentes”, disse ela, que se auto identifica como mulher defiça (termo utilizado por ativistas com deficiência como um marcador da diferença positivado).
Para a doutoranda Thais Araujo, do grupo Transverso (PPGJOR/UFCS), que pesquisa representações de pessoas com deficiência no jornalismo, algumas medidas poderiam qualificar as matérias jornalísticas sobre o caso. “Uma delas seria, diante da dificuldade de encontrar o fã a quem Madonna se dirigiu, entrevistar pessoas com deficiência no Brasil que tenham passado por situações semelhantes. Infelizmente não são poucas, porque a atitude de Madonna não é isolada. Não se trata de acusar ou tentar cancelar a artista, mas de perceber que, sem vigilância constante, reproduzimos valores hegemônicos desrespeitosos e desumanizadores, persistentes na sociedade. Entre esses valores está o capacitismo, que deve ser combatido”, disse ela, que é orientanda da professora Terezinha Silva.
Thais sugeriu, ainda, incluir no texto jornalístico o que diz a Lei Brasileira da Inclusão sobre o assunto. A LBI estabelece que as pessoas com deficiências têm direito à cultura e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Define também que locais de espetáculos devem reservar para elas espaços livres e assentos em locais de boa visibilidade e devidamente sinalizados, evitando áreas segregadas de público. “Incluir essas informações ajudaria a dar visibilidade mais adequada à questão e a discutir de modo mais aprofundado os desafios enfrentados por esse grupo social, que soma 18,6 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, acrescentou a pesquisadora.
O portal do Los Angeles Time também se refere à situação como uma “gafe ‘politicamente incorreta’”, citando a fala da cantora, mas menciona já no título as acusações de capacitismo direcionadas a ela nas redes sociais. Embora o veículo não traga entrevistas sobre o episódio, incorpora à matéria críticas feitas por pessoas com deficiência nas redes.
Uma delas foi publicada no X (antigo Twitter) pela também cantora Lachi, que é cega e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência. Ela desafiou Madonna a compensar o fã.
“Madonna, você sabe o quão difícil é para nós, pessoas com deficiência, ir a esses shows, desde a compra de ingressos até olhares intrometidos? Fique mais do que feliz! Dê a esse cadeirante uma oportunidade de foto ou ALGUMA COISA, porque foi difícil”.