Em que medida um acontecimento envolvendo violência de gênero contra uma figura pública célebre pode desencadear um debate sobre violências praticadas contra mulheres de diferentes classes sociais? Esta é a questão que estimulou as professoras Terezinha Silva, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC, e Rayza Sarmento, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA, a estudarem o caso da ex-modelo e apresentadora Ana Hickmann a partir da repercussão social e midiática da denúncia de violência formulada por ela contra o então marido. O estudo foi apresentado no V Encontro Nacional da Rede Interinstitucional Acontecimentos e Figuras Públicas, que este ano ocorreu na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, entre os dias 25 e 26 de abril, e teve como tema “Acontecimentos que (nos) afetam: crises, conflitos e resistências”.
Ana Hickmann registrou um boletim de ocorrência na delegacia de polícia, no dia 11 de novembro de 2023, contra o então marido Alexandre Correa, por violência doméstica e lesão corporal, ocorrida na casa onde viviam com o filho de 10 anos, em Itu, São Paulo. Tornada pública pela vítima, a denúncia desencadeou uma série de ações e discussões por parte de diferentes atores e instituições. Terezinha e Rayza analisaram a cobertura jornalística realizada por sites de notícias de diferentes perfis editoriais.
Para as pesquisadoras, acontecimentos como este, envolvendo pessoas célebres, são parte de uma trama coletiva de valores. Segundo elas, o modo como a agressão sofrida por Ana Hickmann foi tratada em distintas mídias jornalísticas aponta para o atual momento sobre o entendimento acerca do problema violência contra as mulheres. Pela análise realizada – explicam -, é possível resumir a exposição do caso em três assertivas: a legislação de combate não é posta em xeque, ao contrário, há um destaque e amplificação sobre a relevância da legislação, especialmente da Lei Maria da Penha; a coletivização do problema a partir de outras mulheres célebres é colocada em evidência; e há uma inserção da apresentadora Ana Hickmann em quadro ativista, já que ela passa a se envolver e a dar visibilidade a um conjunto de ações e de pessoas envolvidas diretamente na prevenção à violência.
No entanto, elas acrescentam que esta é “uma fotografia tirada em modo panorâmico” e que “as minúcias do material analisado precisam ser consideradas”, já que Ana Hickmann não é uma mulher comum. “A visibilidade e o enquadramento midiático dados ao caso difere das mulheres que constituem a maior parte das estatísticas no país, sem despertar o mesmo interesse e tratamento social e midiático, como aconteceu com a apresentadora, que é uma mulher branca, jovem, famosa, rica, mãe, vítima de agressão física, psicológica e patrimonial por parte do marido”, explicam. “Esta distinção na relevância e visibilidade dadas à violência contra a apresentadora não significa retirar a importância e gravidade do ocorrido na vida da apresentadora e no que desencadeou em termos de coletivização de um problema que atinge a muitas outras mulheres, famosas ou anônimas”, afirmam elas, indicando no paper as contribuições da visibilidade do caso para o debate sobre o problema das violências sofridas pelas mulheres.
O paper deve ser publicado em coletânia organizada pela Rede Interinstitucional Acontecimentos e Figuras Públicas, com previsão para o primeiro semestre de 2025. A Rede foi criada em 2018 e reúne pesquisadoras(es) de 11 instituições de ensino superior do Brasil. A professora Terezinha Silva, do Transverso/PPGJOR, é uma das fundadoras da rede, juntamente com as professoras Vera França e Paula Simões (UFMG),Denise Prado (UFOP), entre outras.
Legenda da foto: Professoras Rayza Sarmento, da UFPA (última, da direita para a esquerda na mesa) e Terezinha Silva (penúltima), durante apresentação de paper na Universidade Federal de Viçosa. Crédito da foto: divulgação – V Encontro da Rede Interinstitucional Acontecimentos e Figuras Públicas.