Doze anos depois da primeira versão do Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, o Plano Viver Sem Limites II, previsto para ser lançado em setembro pelo governo federal, vai contar com diretrizes que incorporam a perspectiva interseccional da deficiência. O anúncio foi feito nesta terça-feira (01/08) pelo ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, que participou de um evento na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Durante dois dias, integrantes da comunidade acadêmica e membros de movimentos da sociedade civil discutiram contribuições ao Viver Sem Limites II. A primeira versão do Plano foi lançada em 2011, no governo da presidenta Dilma Rousseff, para reforçar a implementação das prerrogativas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada pelo Brasil em 2008.
“É muito simbólico estar numa universidade que tem demonstrado seu enorme poder de resistência e justa afirmação dos direitos humanos, da luta antirracista, antifascita e anticapacitista; que tanto contribuiu para demonstrar o papel central das instituições públicas de ensino superior na pesquisa, nos programas de extensão e nas diversas formas de ensino sobre direitos humanos e sobre a responsabilidade do Estado na plena inclusão das pessoas com deficiência”, disse o ministro.
Temáticas relacionadas aos direitos e à cidadania de grupos vulnerabilizados fazem parte de diversas pesquisas de integrantes do Grupo Transverso, como a da doutoranda Thais Araujo, que investiga representações de mulheres com deficiência no Jornalismo. Para ela, é urgente trazer a perspectiva interseccional para as políticas públicas. “O conceito de interseccionalidade, elaborado inicialmente por intelectuais do feminismo negro, é fundamental para pensarmos também as questões ligadas às pessoas com deficiência. Afinal, as opressões que atingem mulheres com deficiência são, muitas vezes, diferentes das que recaem sobre homens negros; ou sobre mulheres negras com deficiência; e ainda sobre mulheres empobrecidas com deficiência. As políticas públicas devem considerar essas diferentes opressões, que se combinam e entrecruzam de diversas formas”, avalia.
Ainda durante o evento, coordenado pela pró-reitora de Políticas Afirmativas da UFSC, professora Leslie Chaves, e pelo coordenador-geral de diversidade e interseccionalidade da Secretaria Nacional de Pessoas com Deficiência, Raul Paiva, o ministro Silvio Almeida lançou a campanha “Combata o Capacitismo”. O objetivo é mobilizar a sociedade para desconstruir as diversas fomas de discriminação direcionadas às pessoas com deficiência em razão dessa condição – a deficiência. As primeiras peças publicitárias, elaboradas em conjunto com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), foram distribuídas aos participantes do encontro.
Também presente à solenidade, a secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Ana Paula Feminella, lembrou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados em julho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo ela, os números mostram o peso do capacitismo na sociedade. “A taxa de analfabetismo das pessoas com deficiência no Brasil é cinco vezes maior do que entre nossos pares sem deficiência. Estamos longe do mercado de trabalho e aquelas que estão ocupadas, recebem metade do rendimento das pessoas sem deficiência. Além disso, algumas são submetidas a condições análogas ao trabalho escravo”, afirmou. “É um desafio imenso para as pessoas com deficiência alcançar os direitos humanos, mas é ainda maior a força da coletividade que se compromete a construir as bases de uma sociedade mais justa, inclusiva e feliz”, acrescentou.
Em sua fala, a vice-reitora da UFSC, professora Joana Célia dos Passos, informou que a universidade tem apenas 504 estudantes com deficiência. Ao todo, o corpo discente da universidade conta com 36,5 mil alunos e alunas de graduação e pós-graduação. “Esse índice já foi pior, mas nós queremos mais”, disse. A vice-reitora também destacou que no estado de Santa Catarina, onde há 320 células nazistas ativas, são comuns as manifestações de capacitismo, além de racismo, xenofobia, lgbtfobia, transfobia e altas taxas de feminicídio. Ela enfatizou, no entanto, o papel fundamental das resistências diante dessas questões, que são estruturais.
“A UFSC é um espaço de resistência diante de tudo o que temos vivido nos últimos anos. Também são resistência os 21 territórios quilombolas; as 29 aldeias indígenas; os 8% de pessoas com deficiência que vivem no estado; a população LGBTQIA+; as crianças, as pessoas em situação de rua, as mulheres vítimas de violência, os homens negros e mulheres negras, que são 20% da população catarinense. E é sobre isso e com esses que precisamos construir o Viver sem Limites, de maneira interseccional, para tornar a UFSC antirracista, antifascista e anticapacitista. Esse é o nosso desafio”, concluiu Joana Célia.